segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Catarina

As árvores corriam pela janela. Tudo não passava de um borrão verde. E quanta ironia... Não era essa a sua vida agora? Disforme, como se ela fosse apenas uma passageira vendo o mundo passar pela janela; apenas aguardando os outros decidirem o que deveria comer, o que deveria vestir, o que deveria falar. Por algum tempo até tentaram decidir o que ela deveria pensar. E, de alguma forma, conseguiram. 

Ela não sabia muito bem quando deixou de ser aquela garota desengonçada que tropeçava pelos corredores e vivia cheia de tinta nas mãos e cabelo para se tornar uma artista plástica famosa, que ainda vivia cheia de tinta nas mãos e cabelo, mas que agora recebia milhões por suas telas. 

Em um momento estava sentada na escada do colégio com seus amigos discutindo como resolver uma questão de álgebra; e no instante seguinte estava sentada em um escritório refinado com diversos produtores discutindo qual a melhor galeria pra expor suas novas obras. 

Ela que sempre morara em uma casa simples no subúrbio, dividindo o quarto com a irmã, e onde ir ao cinema nas tardes de domingo era considerado o grande evento da semana, agora morava na cobertura de um prédio de luxo sozinha dando entrevistas todos os dias e indo a festas todas as noites. 

E o que tudo isso lhe trouxera? Noites mal dormidas, dias tumultuados, solidão. Em muitos dias tudo que queria era passar uma tarde com seus amigos. Mas não podia, tinha uma viagem importantíssima agendada. E nesse vai e vem de compromissos, meses se passaram sem nem ao menos um e-mail trocado. 

Mas agora basta! Era seu aniversário e nesse dia ninguém poderia lhe dizer o que fazer. Ela voltaria para o lugar em que sempre fora feliz. Ficaria com aqueles que realmente importavam. 

Só esperava que ainda a aceitasse de volta. 

Sentiu um calafrio lhe percorrer a espinha ao passar sob a placa de boas vindas da cidade. Sentiu-se deslocada com aquele vestido e carro moderno. Podia sentir os olhares surpresos, abismados, atordoados que lhe lançavam enquanto cruzava a cidade. Eles lhe faziam temer os únicos olhos que realmente desejava ver. Os únicos olhos em que temia ver o rancor; ou pior, a indiferença. 

Estacionou o carro em frente a uma casa tão parecida com a que costumava morar e caminhou lentamente até a porta. Uma batida. Silêncio. Outra. Silêncio. Com olhos marejados se virou para voltar ao carro quando ouviu o destrancar da porta. 

Sentiu o corpo tremer. Parte por ansiedade, parte por medo do que poderia acontecer. Pior seria não saber, então se virou. E ali estava ela. Cabelos negros curtos e ondulados, olhos verdes brilhantes, boca grande e sempre sorridente. Era ela. 

Ficaram paradas por alguns segundos. Quando ela pensou em falar algo, Catarina voou em seus braços. E tudo mais perdeu o sentido: não importava o quão estressada, nem que todos lhe virassem as costas. Tudo era irrelevante enquanto elas tivessem uma a outra, enquanto ficassem unidas. Ela e a sua Catarina.

4 comentários:

  1. Uau! Descritivo, delicado, intenso e surpreendente! Primeiro conto que li seu e, realmente gostei \o/

    Beijaooo

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  2. Pronto, mais uma amiga escritora... To bem arranjada nesse mundo de blogueiras, hein? haha
    Adorei o conto menina, você escreve super bem!
    Não sabia que você escrevia contos e postava aqui no blog :S Mas olha, se precisar de um incentivo here I am: continue escrevendo *--*

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  3. Muito lindo.
    Quanta sensibilidade, querida.
    Amei.

    Beijos.

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  4. Eita que está inspirada, hein?
    rsrs O bom que a gente que ganha, com esses belos textos.
    Adorei!
    P.S Feliz dia Mundial do Blog
    Bjs

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